quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Marina: “Espero que no Brasil não exista espaço para saídas autoritárias e preconceituosas”

Leia os principais trechos da entrevista concedida à BBC Brasil em Londres, onde Marina participa de um debate e tem buscado experiências em diferentes áreas, como educação e meio ambiente, que possam ser aplicadas no Brasil.
BBC Brasil – A senhora tem viajado para fazer palestras na Europa e nos EUA. Na quarta-feira, fala no King’s College, aqui em Londres. Que mensagem traz nesse momento de turbulência política e crise econômica no Brasil, momento que a senhora definiu como “um poço sem fundo, por ser pior que o fundo do poço”? Há espaço para otimismo?
Marina Silva – Tem espaço para ter persistência. Venho (à Europa) para uma série de compromissos. Vim para uma palestra sobre mudanças climáticas, depois fui à Holanda onde conheci uma série de experiências de inovação tecnológica, educação, ativismo social, agricultura, financiamento de novos projetos voltados para a sustentabilidade. Aqui em Londres, fomos a uma escola interessante em que o currículo integra valores voltados para a sustentabilidade. Quando disse que a gente parecia estar saindo do fundo do poço para uma espécie de poço sem fundo, me referia a algo grave acontecendo no Brasil, que é a pressão sobre a Lava Jato, uma das coisas mais importantes depois da nossa redemocratização. O trabalho que estão fazendo ao mostrar que a lei é para todos, que a corrupção sistêmica deve ser combatida pela raiz, agora está sendo ameaçado por uma ação da dita classe política tentando mudar as regras do jogo.
BBC Brasil – De onde exatamente vem essa pressão?
Marina Silva – Essa pressão vem do Congresso, vem do próprio Executivo que acaba de encaminhar um processo para o Supremo propondo que não seja mais válida a prisão daqueles que foram condenados em segunda instância. E, agora, o julgamento do próprio presidente Temer pelo Congresso e a decisão do Supremo que deu ao Congresso a última palavra em relação à punição dos parlamentares. Ou seja, é o único segmento da sociedade que terá poder de fazer o seu autojulgamento. Como se não bastasse o foro privilegiado, agora terão o autoindulto privilegiado. Isso será para o Aécio Neves, mas também será para todos os demais que se encontram na mesma situação que ele, envolvidos em graves denúncias de corrupção.
BBC Brasil – A senhora já foi senadora, conhece muito bem aquela casa. Qual é a dificuldade de se cassar os próprios pares? Prevalece o corporativismo?
Marina Silva – Além do corporativismo, agora tem outros fatos. Tivemos cassações importantes como a do senador Arruda e do próprio Antônio Carlos Magalhães…
BBC Brasil – Desculpe-me por corrigir a senhora, mas cassados foram o Luiz Estevão, o Demóstenes Torres e, mais recentemente, o Delcídio Amaral. José Roberto Arruda renunciou (Antônio Carlos Magalhães também renunciou)…
Marina Silva – Sim, mas por uma manobra. Renunciou porque sabia que ia ser cassado. A renúncia não foi em função de um ato de grandeza; foi porque tinha certeza de que seria cassado e, para evitar perder direitos políticos e ficar inelegível fizeram a renúncia. Agora, para além do corporativismo, temos o fato de que são muitos os investigados e comprovadamente culpados no âmbito da Lava Jato. Partidos que antes se combatiam agora estão unidos. PT, PMDB, PSDB, DEM, todos estão juntos para salvar a própria pele, a pele dos seus líderes. É por isso que a dificuldade agora é bem maior. Aqueles que nunca se juntaram para defender saúde, educação, segurança pública, infraestrutura, agora estão unidos para evitar a punição dos crimes que cometeram.
BBC Brasil – A senhora falou da Lava Jato e o medo da pressão, mas acha que em algum momento a operação cometeu algum erro, alguma falha capaz de colocar a reputação da investigação em risco?
Marina Silva – A Lava Jato vem fazendo um trabalho exemplar e espero que se transforme no novo paradigma para a Justiça brasileira. Todos os mecanismos das instituições públicas têm suas próprias formas de controle. A Lava Jato vem trabalhando junto com o Ministério Público e a Polícia Federal e os que são investigados têm direito à ampla defesa. O problema é que as provas são muito contundentes. Pessoas com mala de dinheiro, um apartamento com milhões de reais dentro de caixas, comprovações de depósitos em contas bancárias no exterior. O documento fala por si mesmo. O trabalho que está sendo feito é respeitável. E, claro, os juízes não podem ser colocados como se eles estivessem cometendo irregularidades. Infelizmente, uma boa parte dos investigados gostaria de ter a prerrogativa de estar julgando seus investigadores e julgadores. Foi por isso que o senador Renan Calheiros apresentou a lei do abuso do poder, que juntou PT, PMDB, PSDB para tentar aprovar o projeto de anistia e é por isso que agora, igualmente, estão juntos para acabar com (a prisão) depois de julgamento em segunda instância.
BBC Brasil – Voltando à pergunta inicial, a senhora está fazendo um tour pela Europa, mas queria saber se pretende fazer o mesmo no Brasil, como Lula está fazendo, como Fernando Haddad, Jair Bolsonaro e João Doria. A senhora pretende dar uma volta pelo Brasil?
Marina Silva – Faço isso há mais de 30 anos e não apenas em período eleitoral. A vida toda me dediquei a andar nos Estados, nos municípios mais pobres, conhecendo a realidade da sociedade brasileira.
BBC Brasil – A senhora faz isso sem clima de campanha?
Marina Silva – Sem clima de campanha e acho que esse é o melhor momento para que possamos fazer as coisas. O problema é que as pessoas deixam para fazer determinadas coisas nos períodos eleitorais. Entendo que as soluções para o mundo em crise que a gente está vivendo têm uma complexidade tamanha… é bom para a gente conhecer outras experiências. O que está dando certo na educação no Brasil pode ter uma contribuição para a educação em outras regiões do mundo. Não podemos mais nos fechar como se fôssemos uma ilha. O Brasil é rico em boas ideias. Quando fui ministra do Meio Ambiente, não inventamos a roda. O que fizemos foi transformar as boas ideais da sociedade brasileira, do setor empresarial, da academia, dos movimentos sociais, em políticas públicas. Foi graças a isso que conseguimos reduzir em 80% o desmatamento por dez anos.
BBC Brasil – A gente estava falando do clima de campanha e de aparecer a cada quatro anos e uma das principais críticas que fazem à senhora é que foi omissa em momentos importantes. Dizem que a senhora só se expõe às vésperas de períodos eleitorais. Como a senhora responde a essas críticas? É intencional, para se preservar?
Marina Silva – Estou fazendo meu trabalho como sempre fiz, mas não sou parlamentar, não tenho uma função pública. Sou uma professora que sobrevive do trabalho que faz. Conseguimos criar a Rede mesmo em meio às pressões contrárias e tenho me posicionado sempre em relação a todos os temas. O problema é que o Brasil está tão acostumado com a polarização que quando tem um posicionamento que não está sob o guarda-chuva vermelho ou o azul, as pessoas preferem dizer que não é um posicionamento. Eu sempre defendi a Lava Jato, como eles não defendem, preferem dizer que não é um posicionamento. Eu sempre defendi que o melhor caminho era o da cassação da chapa e que o impeachment não é golpe, está de acordo com a Constituição, o problema era que não ia alcançar oobjetivo que é passar o Brasil a limpo, Dilma e Temer são faces da mesma moeda. O PT e o PMDB cometeram os mesmos crimes juntos em relação à Petrobras, BNDES, Caixa Econômica, Banco do Brasil, aos fundos de pensão. O melhor caminho era a cassação da chapa. Como existia um grupo que queria abocanhar o poder e um outro que queria permanecer, eles acham que isso não era um posicionamento. É um posicionamento diferente. No Brasil, as pessoas estão tão acostumadas com a polarização que nem admitem que possa existir uma outra voz, um outro lugar de fala, mas essa fala existe. Não tem a mesma audiência daqueles que ficam disputando o poder pelo poder.
BBC Brasil – Ter um mandato facilitaria ecoar seus posicionamentos?
Marina Silva – O importante é ter um posicionamento, porque tem muita gente que tem mandato e está repetindo as mesmas coisas, da mesma forma. Tem muita gente que até fala demais e depois desconstrói tudo o que falou. Tem muita gente que falou tanta coisa e agora estão no mesmo barco.Estamos numa crise dramática como essa e tudo que vejo são pessoas preocupadas em ganhar o poder. Não estão pensando em como combater a corrupção, como prevenir a corrupção e principalmente como promover uma gestão pública eticamente responsável, para resolver o grave problema da educação brasileira em que a maioria dos jovens não tem acesso à educação de qualidade, para resolver o problema da violência em que as pessoas estão perdendo suas vidas nas comunidades por falta de segurança.
BBC Brasil – Como faz para resolver isso, são tantos problemas juntos…
Marina Silva – Em primeiro lugar é preciso dizer claramente na hora de disputar a eleição o que vai fazer em relação a essas questões. Por exemplo, em relação à educação. Claro que temos problemas em relação a recursos, mas pior que a falta de recurso é a falta de estratégia para que uma educação não fique parada no tempo. O mundo inteiro está atualizando seus processos de ensino e aprendizagem, levando os jovens e as crianças a entenderem a escola não como um lugar onde se adquire uma profissão fixa, mas como uma porta de entrada que possibilita muitas portas de saída. Esse debate está sendo feito pelos educadores e por vários movimentos, mas infelizmente o poder público não tem sido capaz de acompanhar. E agora, com a crise, uma boa parte dos nossos jovens que começaram a ter acesso ao ensino superior, mesmo ao ensino privado que não tem a mesma qualidade do público, perderam esses meios que dispunham na crise gerada inicialmente no governo Dilma e agora no governo Temer.
BBC Brasil – Falando neles, a senhora sente que perdeu a oportunidade de ocupar um vácuo de poder que se abriu?
Marina Silva – É muito cedo para dizer o que se perdeu e o que se ganhou. Eu digo que a derrota e a vitória só se mede na história. Temos que ter paciência para aguardar o processo político. Não entendo que a política é um vácuo a ser ocupado. É um processo a ser conquistado no debate, não embate da polarização que tanto mal já fez ao país, mas na troca de ideias dizendo o que a gente acha que é melhor para a saída da crise, para que o país volte a crescer, retome os investimentos, para que se controle o gasto público, a inflação, para que se possa reduzir juros. A política tradicional tem muito isso de dizer que tem que ocupar. Essa ideia às vezes esconde um pensamento autoritário, que subtrai o eleitor, que subtrai o cidadão. Quem ganha uma eleição com base no marqueteiro acha que é só uma questão de ocupar o espaço, não é iss. É de construir, conquistar, numa relação transparente e aberta com cada cidadão.
BBC Brasil – A senhora já foi ativista política, vereadora, deputada estadual, senadora por dois mandatos e ministra. A senhora conhece muito bem o eleitor, imagino eu. Sente que há uma fadiga com o político de carreira, o tradicional? Sente que o eleitor hoje procura algo diferente? E pontuo aqui que diferente não necessariamente é melhor. Mas há uma busca pelo ainda não testado?
Marina Silva – Acho que a sociedade está procurando algo que dê resposta, que dê efetividade. O problema é que, muitas vezes, esse sentimento de cansaço com a incompetência, com a falta de transparência, com a corrupção, com a lógica do poder pelo poder é usado para tentar desviar do objetivo principal. As manifestações de 2013 foram muito claras. As pessoas querem saúde, educação, transporte de qualidade, emprego para poder viver e criar suas famílias, querem a possibilidade de um transporte que as leve para o trabalho e facilite o entretenimento. As pessoas foram muito claras. Aí o que alguns partidos e lideranças políticas fizeram? Disseram que o que a sociedade quer é uma reforma política. Veja bem, retiraram do foco o mais importante e levaram para outro caminho. E agora que estão fazendo a reforma, não é a reforma política que a sociedade brasileira quer para ampliar participação, para sair do papel de espectador e assumir o protagonismo. É uma reforma para dar mais poderes aos partidos tradicionais, aos caciques, mais dinheiro às campanhas milionárias e aos marqueteiros a peso de ouro e mais espaço para permanecerem no poder independente da vontade do povo.
BBC Brasil – Falando em reforma política, essas mudanças pontuais feitas no Congresso afetam a Rede de que forma? A senhora sente que a Rede pode estar ameaçada?
Marina Silva – Há um cerco que está sendo feito pelos partidos tradicionais, o PT, PMDB, PSDB, DEM, para que não seja possível uma inovação na política brasileira. Por isso estão direcionando o fundo partidário para eles, o tempo da propaganda eleitoral para eles e a cláusula de barreira para que os novos partidos tenham dificuldade de se firmar no sistema político brasileiro. É claro que a Rede sofre as consequências dessa articulação para inibir a inovação. A Rede é um partido que nasce comprometido em melhorar a qualidade da política, melhorar a qualidade das instituições públicas. Defendemos o voto independente, somos favoráveis, para criar uma concorrência idônea com os partidos políticos. Hoje, eles têm o monopólio da política e é por isso que não estão muito preocupados em qualidade, em inovação. Eles põem os mesmos quadros, fazem os mesmos discursos e a lógica é a do poder pelo poder.
BBC Brasil – Quando a gente olha as pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Lula lidera com folga. Como a senhora explica essa força? Esse discurso de vítima que ele e o PT assumiram tem impacto?
Marina Silva – Temos que compreender as pesquisas como registro de um momento e, obviamente, ainda temos um caminho muito longo pela frente. A sociedade brasileira está formando ainda a sua opinião sobre sua escolha. Não acho que seja um dado de realidade já estabelecido. E, é claro, espero que o debate em torno das ideias, das propostas, possa fazer com que os eleitores criem sua própria identificação com esse ou aquele projeto.
BBC Brasil – Mas o que explica o ex-presidente estar liderando mesmo tendo sido condenado por corrupção?
Marina Silva – Eu acho que existe uma parte do eleitorado que trabalha muito com a ideia de segurança. Boa parte das pessoas está trocando liberdade por segurança. A campanha de 2014 foi muito violenta, com muito dinheiro, calúnia e difamação. Havia a história de que se não fosse eleita a presidente Dilma, as pessoas iriam perder o Bolsa Família, o Pronatec, o Minha Casa Minha Vida, perder todas as conquistas sociais. Isso criou uma insegurança nas pessoas. Mas essa lógica em se fazer uma escolha em função do medo, não é a melhor forma de construir uma sociedade que tem sua própria autonomia. As conquistas feitas no governo do PT, do PSDB, de quem quer que seja, não são para ser fulanizadas nem pelos partidos nem pelos governantes. São para ser institucionalizadas. Se são direitos, as pessoas os têm assegurados e têm a liberdade de escolher aquele que acham que é o melhor para dirigir o país.
BBC Brasil – A senhora acha que (a liderança do Lula) vem do medo de perder benefício adquirido ou de se acreditar que ele é inocente, que é vítima, que está sendo perseguido?
Marina Silva – Acho que pode ser um misto de várias coisas. Lula foi presidente por duas vezes, uma liderança sindical histórica. O importante nesse momento é pensar que pessoas virtuosas devem criar instituições virtuosas para lhes corrigirem quando falharem. Os acertos não podem ser usados para não dar conta dos erros que foram praticados. Nesse momento a reflexão ainda está em curso no Brasil. Vamos ter, me parece, uma disputa com muitos candidatos.
BBC Brasil – Jair Bolsonaro. Ele é um candidato com posições conservadoras, às vezes extremas. O que explica ele estar empatado tecnicamente com a senhora e que tipo de segmento da sociedade ele representa? Tem alguma chance dele ir para o segundo turno?
Marina Silva – Como eu disse, ainda é muito cedo. Nesse momento há uma exacerbação, em várias regiões do mundo, do populismo, tanto de direita, como de esquerda. E acho que a sociedade haverá de ter a sabedoria de fazer a correta mediação para encontrar um novo caminho para seus problemas que não seja o populismo de direita, nem o populismo de esquerda.
BBC Brasil – Por que a senhora acha que ele é populista?
Marina Silva – Porque acho que quando você sinaliza para a sociedade que pode resolver as coisas a qualquer custo, a qualquer preço, como se isso fosse apenas uma questão de força, isso tem um viés populista muito forte. Não acredito nas coisas que são resolvidas de forma violenta, excludente. Os processos políticos são muito mais complexos. O Brasil é um país com uma diversidade cultural fantástica. Um país que reconquistou a sua democracia a duras penas. Não acho que exista espaço para o autoritarismo, pelo menos eu espero que não exista espaço para saídas autoritárias, para saídas preconceituosas, contra índios, contra mulheres, contra negros, contra quem quer que seja, quer por sua condição social, por sua orientação sexual ou por sua condição econômica.
BBC Brasil – Lhe assusta a popularidade de Bolsonaro neste momento?
Marina Silva – Eu acho que numa democracia a gente tem que estar aberto para lidar com essa diversidade. Em vez de ficar assustado, a gente deve é debater as ideias em que acredita, apresentar alternativas. Eu sou professora, e acredito muito na Pedagogia. Acho que, nesse momento, vivemos no Brasil um processo altamente pedagógico. Gosto muito da ideia de que sábios são os que aprendem com os erros dos outros e estúpidos são os que não aprendem nem com seus próprios erros. Já vivemos graves problemas de erros de corrupção, já vivemos o gravíssimo problema do autoritarismo com a ditadura. Se não fomos capazes de aprender com os erros dos outros, pelo menos não temos o direito de deixar de aprender com nossos próprios erros.
BBC Brasil – A senhora disputou a eleição presidencial duas vezes. Que erros a senhora cometeu e que agora não repetiria?
Marina Silva – Não sei bem se isso foi um erro, mas nas duas campanhas entrei acreditando que iria haver um debate, mas o que houve foi um embate. Eu acreditava que os candidatos iriam apresentar um programa de governo e eles não apresentaram. Agora, mesmo que eles não tenham apresentado, eu jamais poderia deixar de apresentar, porque não se pode concorrer à eleição para um país como o Brasil sem apresentar um programa de governo. Sem dizer o que se vai fazer para a saúde, a educação, segurança pública, infraestrutura, proteção do meio ambiente. Mesmo que eles escolhessem o embate, a calúnia, a desconstrução, eu não poderia ir por outro caminho. Eu sempre digo que é melhor sofrer injustiça do que praticar a injustiça.
BBC Brasil – Algum motivo para achar que vai ser diferente em 2018?
Marina Silva – A realidade já deu uma indicação muito forte de que há uma tendência de se aprofundar a violência, a mentira, a desconstrução e as assimetrias em termos dos meios para se fazer a campanha, como por exemplo o tempo de televisão. Se for candidata, terei apenas 12 segundos na televisão, contra os muitos minutos dos grandes partidos.
BBC Brasil – O que a senhora pode falar em 12 segundos? Meu nome é Marina, vote em mim?
Marina Silva – Eu acho que em 12 segundos dá para pelo menos dizer que você está ali, e tentar fazer o processo por outras alternativas, nas redes sociais, no contato direto com as pessoas. Enfim, você tem uma realidade que é difícil, mas não pode se render a essas circunstâncias, senão eles já estarão vitoriosos a priori. Eles criaram todas as cercas. E eu espero que o povo brasileiro possa criar todos os meios para que fique sob seu controle a prerrogativa de que o poder emana do povo, não do marqueteiro, não do dinheiro, não das estruturas.
BBC Brasil – Quando a senhora vai lançar sua candidatura? Vamos ter que esperar até março?
Marina Silva – Estou em processo de decisão e com um senso de responsabilidade muito grande com a crise política, econômica, de valores, que está acontecendo no Brasil.
BBC Brasil – Essa decisão é do tipo quando lança ou se lança?
Marina Silva – A decisão é sobre a melhor forma de contribuir. Como seria mais efetiva a minha contribuição. Porque assim que chegar à convicção de onde ela é mais efetiva, é ali que estarei.
BBC Brasil – Mas o que impediria a senhora de concorrer? O que lhe tiraria do jogo?
Marina Silva – É essa a avaliação que eu lhe falei. Se eu chegar à conclusão que a forma mais efetiva de ajudar a melhorar essa situação que o Brasil está vivendo, e digo ajudar, porque não acredito que ninguém sozinho possa ter uma saída para a crise. Se chegar à conclusão de que a melhor saída é não ser candidata, então, é isso que hoje está ocupando parte do meu tempo.
BBC Brasil – Mas a Rede lhe pressiona para participar?
Marina Silva – Com certeza a Rede tem desejo de ter uma candidatura e a sociedade brasileira quer uma candidatura que não esteja identificada com a crise que aí está. E eu tenho um senso de responsabilidade coletivo e pessoal com os mais de 20 milhões de votos que tive, mesmo concorrendo com adversários que tinham condições de estrutura muito maiores do que eu, e além dessas estruturas legais, ainda contavam com o mundo do crime, com montanhas de dinheiro para fraudar as eleições, como fraudaram.
BBC Brasil – A senhora tem conversado com o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, e eu lhe pergunto se ele vai sair candidato e se for, será candidato a quê?
Marina Silva – Eu nunca conversei com o ministro Joaquim Barbosa sobre política. Estou falando sério! Eu conversei com o ministro, sim, mas foi no contexto da rebelião que o presidente do Senado, Renan Calheiros fez, de não cumprir a ordem do Supremo. E naquele momento delicado eu conversei com ele e com o ministro Ayres Brito sobre aquela crise. Não falamos de filiação, não falamos de candidatura. Mas eu acho que o ministro Joaquim Barbosa é uma pessoa altamente relevante para a política brasileira e se ele desejar dar sua contribuição, será bem-vinda e necessária para ajudar a melhorar a qualidade da política, melhorar a qualidade da democracia. Mas essa é uma decisão que ele próprio está avaliando, e até esse momento não conversamos especificamente sobre isso.
BBC Brasil – Conhecendo bem o Executivo e o Legislativo, como seria sua relação com o Congresso? Pois o ex-presidente Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já falaram que é muito difícil negociar com o Congresso, e que muitas vezes você é forçado a firmar alianças, colocar cargos e emendas no meio de negociações. Enfim, nesse atual modelo político, haverá outra forma de se conseguir aprovação de projetos e reformas ou o presidente será eternamente refém do Congresso?
Marina Silva – Eu acredito profundamente que existe outra forma. Se não acreditasse, não teria saído candidata em 2010 e nem em 2014. O problema é que a forma com que se ganha determina a forma em que se governa. Se para ganhar, você se junta a todos que têm uma visão fisiológica do processo político, é dessa forma que vai governar. Não imagine que você vai ganhar uma eleição com fisiológicos e vai conseguir fazer um governo não fisiológico. Não imagine que você vai ganhar uma eleição com base no abuso do poder econômico e que depois esse mesmo abuso do poder econômico não vai aparecer no momento de governar. É fundamental ganhar, mas com base num programa, com base em alianças programáticas.
Não sou daqueles que acham que não se deve fazer alianças. E também não acho que só existem pessoas boas no meu partido. Existem em todos os partidos. O problema é que eles ficam no banco de reservas. Tem gente boa no PT, no PMDB, no PSDB, em todos os lugares. E essas pessoas precisam vir à cena política e talvez este seja o momento para que aqueles que não traíram os ideais do seu partido, possam ajudar a melhorar a qualidade da política, possam inclusive contribuir para que seus partidos reconheçam seus erros e se reinventem.
Não há como ter uma boa árvore se o ecossistema estiver doente. É preciso mudar o ecossistema político brasileiro. A Rede pretende ser uma força política que quer contribuir com essa mudança. Por isso, defendemos as candidaturas independentes, para que as pessoas possam dispor do processo político, criar uma concorrência idônea com os partidos e a gente ter novos quadros na política. Quadros que virão com base em um programa, quadros que virão com uma plataforma registrada na Justiça Eleitoral, com base em uma história de vida na sociedade voltada para a saúde, educação, inovação, enfim, para os temas de interesse do cidadão.
BBC Brasil – Um passo já foi dado nesse sentido. A Procuradora-Geral da República deu parecer favorável à candidatura independente.
Marina Silva – Eu acho que é um caminho a ser perseguido. Eu defendo essa ideia desde que, em 1996, conheci as candidaturas cívicas na Itália. Depois conheci os jovens que foram eleitos no Chile pelas listas independentes, e outras experiências. Acho que para o Brasil isso vai fazer muito bem, para quebrar o monopólio dos partidos sobre a política, e para fazer com que eles também estejam mais atentos em relação à qualidade de seus quadros, em relação à renovação política e à inovação política, buscando uma nova linguagem. Eu digo que está surgindo um novo sujeito político. Existe um outro ativismo que não é mais o ativismo que conhecemos, do passado, dirigido pelo partido, pelo sindicato, pelo líder carismático. É o ativismo das pessoas, o que chamo de ativismo autoral. É preciso criar instituições políticas atualizadas, para poderem ter uma relação, alguma conectividade com esse novo ativismo, com esse novo sujeito político.
BBC Brasil – Mudando um pouco de assunto, a senhora já se manifestou favorável a uma reforma da Previdência, e que se ainda fosse senadora votaria a favor, mas mudaria os pontos “esdrúxulos”. Que pontos seriam esses?
Marina Silva – O Brasil precisa de reformas, tanto é que a Dilma fez reformas, o Lula fez reforma da Previdência, o Fernando Henrique fez reforma da Previdência, e o Temer está tentando fazer. O problema é que a reforma dele padece de vários problemas, como por exemplo, está sendo feita por um governo que não tem credibilidade, não tem legitimidade, e usa as reformas para tentar se sustentar no poder, ouvindo apenas um lado, que é o lado do empregador, negligenciando o lado dos trabalhadores.
Um outro problema é que a reforma que ele apresentou, sem debate com a sociedade, tem questões que são completamente inaceitáveis, como, por exemplo, uma pessoa ter que trabalhar 49 anos ininterruptos para poder fazer jus a sua aposentadoria integral. Isso por si só já contaminou todo o debate da reforma. Eu acho que o Brasil tem que ter reformas, não esta que está sendo feita. Reformas que sejam pactuadas com a sociedade para que tenham legitimidade na hora de sua implementação. Esse aspecto do tempo de serviço demonstra o desprezo que se tem pelo debate e pelas conquistas históricas dos trabalhadores.
BBC Brasil – A reforma da Previdência é apontada como necessária para o equilíbrio das contas públicas, a senhora já alertou várias vezes para a necessidade de se cobrir o deficit público. Uma outra fonte de recursos seriam as privatizações. A senhora é contra ou a favor de se privatizar? E por que o tema privatização virou um grande tabu no Brasil?
Marina Silva – Eu acho que esse tabu quem acaba criando são os partidos da polarização. Durante suas campanhas, esses partidos trabalham com rótulos ao invés de apresentar um programa. Um diz que o outro é Estado demais, e o outro diz que aquele é Estado de menos. Em lugar de pensar o que é melhor para os trabalhadores, para os empresários, para os homens, mulheres, crianças e idosos. Não gosto desse debate entre Estado máximo e Estado mínimo. Temos que ter o Estado necessário. Eu defendo inclusive a ideia de que seja um Estado mobilizador. Porque o Estado provedor, que faz tudo e ainda faz o resto, é um tipo que não deixa espaço para o empreendendorismo, para a inovação. Ele quer ser o dono de tudo. Mas (a resposta) também não é um Estado que acha que basta a regulamentação, que vai resolver pela dinâmica do mercado. O Estado tem um papel em relação à preservação dos direitos, de assegurar direitos.
Num país como o nosso, em que a educação é estratégica para o desenvolvimento, ela é uma obrigação do Estado. Num país como o nosso, em que as pessoas não têm acesso à saúde de qualidade, o Estado é fundamental para prover saúde de qualidade. Eu acredito num Estado que é capaz de mobilizar as melhores forças da sociedade civil, iniciativa privada, da academia, enfim, de todos os setores, principalmente daqueles que fazem o processo produtivo. Claro que no Brasil há espaço para empreendedorismo, e isso deve ser estimulado, mas não significa que deva acontecer em prejuízo das funções estratégicas e necessárias do Estado em temas que nos são muito caros.
BBC Brasil – A Petrobras é um bom exemplo de uma empresa controlada pelo governo e que acabou capturada politicamente, usada, através de superfaturamento para financiamento de campanhas e pagamentos de propina e suborno. A senhora acredita que se a Petrobras fosse uma empresa privada a Lava Jato não existiria?
Marina Silva – Em primeiro lugar, os problemas de corrupção não são apenas da Petrobras. Existem também na Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica, nos fundos de pensão, em vários setores, em Belo Monte. É um problema sistêmico, quase generalizado. Portanto, o problema não é a forma da composição da Petrobras. A Petrobras já é um processo misto, mas o Estado tem o controle acionário. Esse não é o problema. O problema é da falta de competência, de honestidade, de ética pública. Não se pode querer resolver problemas estruturais com manobras para se deslocar o assunto para um outro terreno. Se a Petrobras fosse privatizada não resolveria o problema.
O que resolveria é ter gestores honestos, políticos que não nomeiem diretores para desviar recursos da empresa para os seus partidos, para suas campanhas, para enriquecimento ilícito. É engraçado que as pessoas que fazem esse debate, de morrer de amores pela Petrobras, foram exatamente aquelas que levaram a empresa para essa situação de penúria em que está hoje com esta corrupção.
BBC Brasil – A senhora privatizaria a Petrobras se fosse presidente?
Marina Silva – Não. Acho que a forma como ela está instituída é uma forma que, numa gestão pública, correta, republicana, dá certo.
BBC Brasil – Para terminar, queria tocar no assunto ambiental. É possível compatibilizar crescimento e desenvolvimento sustentável? O Brasil é um grande exportador agrícola, tem uma indústria de porte razoável e muita pressão por subsídios. Como compatibilizar interesses de ruralistas, industriais e ambientalistas?
Marina Silva – Não acho que é uma questão de compatibilizar, é uma questão de integrar. Não tem como ter desenvolvimento com destruição das bases naturais. Só somos uma potência agrícola porque somos uma potência em recursos hídricos. Se destruirmos as florestas, vamos destruir o regime de chuvas. Sem chuvas, sem água, não tem como ter agricultura, indústria, desenvolvimento. A nova economia já não faz essa separação entre economia e ecologia. Isso é um pensamento do século 19 que perdurou há até bem pouco tempo. O mundo inteiro está numa corrida para ver como viabilizar as metas do desenvolvimento sustentável; 195 países assinaram esse acordo de como vamos implementar essas metas na política agrícola, energética, industrial, em todos os setores. Quem está andando na contramão da história é quem quer manter a velha economia. Essa economia não é mais sustentável, porque logo logo vão precificar o carbono.
As economias de carbono intensivo vão pagar um preço muito alto por não terem feito o dever de casa e o Brasil pode resolver isso da forma mais adequada, porque já temos uma matriz energética limpa em 45%, somos um país com uma base tecnológica razoável. Temos uma base de conhecimento agrícola dentro da Embrapa que permite duplicar a produção sem precisar derrubar mais uma árvore. É só uma questão de visão, de estratégia correta, de colocar os investimentos da forma certa para o Brasil do século 21.
BBC Brasil – Existe um debate nas redes sociais com muitos dizendo que evangélicos têm um plano de tomar poder. De onde veio essa ideia? Ela tem pertinência?
Marina Silva – Primeiro há um desconhecimento da contribuição dos protestantes em relação à criação do Estado laico. A reforma protestante deu uma grande contribuição para que tivesse a separação entre igreja e Estado. Portanto, esse debate não deve nem precisa ignorar esse fato. Eu defendo o Estado laico, ele é bom para quem crê e para quem não crê, é bom para todos. É fundamental que numa democracia as pessoas tenham direito de se expressar livremente.
BBC Brasil – Então isso não existe?
Marina Silva – É um debate que está colocado, mas o fundamental é defendermos o Estado laico e recuperar suas origens.
BBC Brasil – Queria muito saber se a senhora vai ser candidata. Quando podemos ter uma definição?
Marina Silva – Logo.
BBC BRASIL – Logo esse ano, ano que vem…
Marina Silva – Logo, logo.

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